Os Mundos e a Porta

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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Young Men's Christian Association

Apesar de estar tão longe de casa, há coisas que não mudam. E há algumas que são genuínas fatalidades. O crescimento capilar é uma delas. Dispensava bem a fatalidade de cortar o cabelo todos os meses. Porém, se não quiser tornar aos meus saudosos e rebeldes vinte anos, terei de me submeter à ditadura da tesoura.

Já estava a contar com isto.

Cortar o cabelo na China.

Digno representante da nação valente e imortal, entrei no primeiro por que passei. Há muitos cabeleireiros. Barbeiros não vi. O que me deixou com alguma nostalgia do salão do Senhor Mesquita, que já não corta cabelos, mas que deixou a herança do ofício aos seus filhos. Que até cortam o cabelo razoavelmente, entre comentários às saias que passam, actualizações permanentes sobre a vida dos vizinhos e aguerridas discussões às costas do futebol.

Entrei. O salão era grande, talvez pouco maior que a sala da nossa casinha. Tirando a coluna do meio, talvez. É a referência que me surge, pronto.

Mas toda e qualquer semelhança com o que quer que seja que eu considere ou considerasse familiar terminou por aí. Não. O ar efeminado dos cavalheiros que lá trabalham era-me familiar. E por isso ali, naquele contexto, sabendo-me rodeado de jovens alegres, senti-me tranquilo. Normalidade.

E então perguntaram aquilo que perguntam a qualquer pessoa que entra num cabeleireiro chinês: queres o top hairdresser ou o assim-assim? Aqui há sempre um cabeleireiro chefe, que normalmente dá o nome ao salão e que cobra o dobro dos outros. Ora um corte de homem é um corte simples. Se for realmente de homem. Português. Não de alegre jovem chinês. Cortar um dedo de cabelo não pode ser muito complicado. E entre pagar quatro e oito euros, disse logo forty yuans, convicto de que nada poderia correr mal.

Ofereceram-me café - que aqui vem sempre com leite se não se pedir expressamente expresso ou no milk. Please wait some moments. Ok, eu waito. Eram seis e vinte, tinha tempo.

Lavaram-me o cabelo e gostei. É sempre bom ter umas mãos carinhosas a mexer-nos no cabelo, seco ou molhado.

E então lá veio um senhor que só me fazia lembrar o motoqueiro dos Village People. Não era bem o motoqueiro, era o do bigode e dos cabedais. Um pouco barrigudito, mas nada de mais. Fiquei ainda mais descansado, nada poderia correr mal.

O jeito era de mestre. Com a mesma desenvoltura com que Glen Hughes dançava ao som de YMCA, esta encarnação do falecido artista cortava e tirava, pedindo ao rapazito que estava lá de aprendiz de alegre uma tesoura aqui, uma maquineta ali.

O resultado foi um manjerico bebé, algo que vemos por meados de Maio nos hortos, ainda a crescerem as desgraçadas plantas que servirão de traste a milhares e milhares de famílias tugas ciosas das tradições e dos santos soalheiros da broa e da sardinha.

Pouco comovido com a lusa recordação, expliquei ao jovem casapiano, único que pelos vistos lia as letras das músicas da banda ali favorita e assim aprendia o inglês da China, ó dialecto, que pretendia que dos lados do crânio as pilosidades fossem um pouco menos crescidas que no cimo do dito.

O que ele disse ao seu Ritto nunca saberei.


5 comentários:

Ana Afonso disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ana Afonso disse...

E fotografia do manjerico bébé?

Freddy disse...

Que boas recordações tenho de merdas em que te meteste num certo shopping da cidade do Porto por causa duns adornos capilares de cor vermelha... Ahahahahahahah!!!

No domingo pedi a um amigo que me cortasse a trunfa pois agora só o corto de 6 em 6 meses... Resultado, branco como estou, pareço que tenho sarna ou coisa do género!!!

Rituais - Para lá do horizonte... disse...

Cá pra mim foi de penico na cabeça e toca a cortar o resto!! hihihihihi
... os teus belos cabelos compridos...

Anónimo disse...

ler todo o blog, muito bom