Os Mundos e a Porta

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segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Os Sins, os Nãos e a Inutilidade de Tudo Isso


Dizer que sim ou dizer que não é bom porque é uma ocupação mental que vai esbatendo da nossa memória o que realmente importa. Um pouco como o desempregado alcoólico diabético endividado que quando vai ao futebol deixa de ser desempregado alcoólico diabético endividado e passa a ser alguém. Por alguns minutos. Um pobre diabo mas que ali, ao pé dos outros desempregados alcoólicos diabéticos endividados ou não, é um igual aos outros.
É bom para nos fazer esquecer, durante algum tempo, que as PESSOAS querem trabalho, trabalho seguro, bem pago e que lhes permita sentirem-se úteis e com um papel na sociedade; que as PESSOAS querem saúde, com uma boa rede pública de serviços e que não dependa do recheio da carteira; que as PESSOAS querem educação, de qualidade e que lhes permita esperar fundadamente num futuro melhor; que as PESSOAS querem confiar que os outros pagam impostos na razão directa daquilo que auferem e não em razão do maior ou menor poder de fugir ao fisco; que as PESSOAS querem acreditar que se tiverem de resolver um problema em tribunal, terão uma solução justa e rápida; que as PESSOAS querem estar tranquilas em casa quando os seus filhos regressam da escola, porque a polícia tem força e poder efectivos de manter a ordem e a segurança nas ruas; que as PESSOAS querem acreditar que as suas pretensões e os seus pedidos não serão ultrapassados por aqueles que subornarem mais os agentes decisórios do Estado.

Portugal é feito destas PESSOAS. Que de vez em quando, são vítimas das tentativas de encobrimento da profunda e epidémica incompetência dos políticos, que confrontados com a sua própria inépcia, tendem a montar uns circos aqui e ali, para distrair as PESSOAS daquilo que as aflige, de modo a manterem os seus próprios privilégios durante o maior espaço de tempo. E é ver a procissão de palhaços, focas, malabaristas e trapezistas, seguidos de tantos e tantos desempregados alcoólicos diabéticos endividados, pobres diabos, que embarcam nessa loucura colectiva de inventar problemas só para esquecerem os que realmente importam. Palhaços vermelhos, malabaristas rosa, trapezistas laranja, focas azuis, todos juntos de mãos dadas, esquecendo diferenças e supostas bandeiras políticas cheias de moral e de defesa dos coitadinhos, numa completa psicose colectiva, pró menino e prá menina, algodão doce e farturas a fartar.

Porém, o que aconteceu ontem mostra que, desta vez, a procissão foi curta e que antes de deixar o adro já tinha terminado. Se não é o sol, é a chuva. As PESSOAS mostraram a todos que a legalização do aborto significa tanto para aquilo que realmente lhes importa, para aquilo que lhes tira o sono à noite, para aquilo que as preocupa durante o dia, para aquilo que as faz estar mal-dispostas, tristes e deprimidas, que, simplesmente, não foram votar. Uma lição.

Ficam os saltimbancos boquiabertos e balbuciantes, por um pequeno segundo, quando as luzes se apagam e percebem que não tinham público que lhes batesse palmas. E logo após, na mesma lógica neurótica, rebentam em gritos ganhámos e em lágrimas perdemos, como se isso importasse a quem quer que seja, disfarçando a mais crua realidade.

Uma tremenda e enorme charada. Independentemente de ter ganho o sim ou o não. Porque a vida de cada um vai continuar na mesma. O desemprego e o emprego precário; a falta de médicos no interior, a falta de hospitais devidamente equipados, as abútreas filas de espera para consultas e cirurgias e o lento mas imparável aumento do custo desses serviços; o aumento das propinas e do custo dos livros e a constante perda de qualidade dos serviços de educação; a fuga ao fisco dos poderosos e intocáveis; a justiça injusta e lenta; o medo de andar na rua; a corrupção. A vida de cada um vai continuar na mesma. Até mesmo as não-vidas das futuras PESSOAS que continuarão a ser chacinadas nos ventres maternos, seja em clínicas privadas ou em vãos de escada. Tudo na mesma.

Gostaria muito de ter podido votar contra a chacina. Mas nunca tive ilusões acerca do circo, da palhaçada e da inutilidade de tudo isto.

2 comentários:

Freddy disse...

Até aposto que ai tb rola o concurdo do milhão de chineses mais importantes de sempre... Canecos!!!

catiazzz disse...

mmmm....inutilidade....
talvez nao
a ver vamos