Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

A Armada Portuguesa e a Banheira Dezoito.

Nunca me passou pela cabeça que, feitos tantos quilómetros, acabasse por ter como ponto de referência uma avenida que, na sua pronúncia correcta, tem muito que ver com o meu Portinho querido do coração. Donsanhuan diz-se com a pronúncia castelhana, o que faz lembrar algo como Dom São João. Bonito, não é?

Ora, isto para dizer que finalmente estamos instalados, todos na Torre B do Ocean Express Compound, na primeira à direita depois do cruzamento da Dongsanhuan com a Dongzhimenwai Xijie, para quem vai de Sul para Norte. Olhando para o mapa de Pequim, fica em cima, do lado direito, logo a seguir ao Hilton e logo antes do China International Exhibition Centre. Trata-se de um conjunto de cinco torres, estilo condomínio fechado mas sem estar limitado por muros ou grades. Mas com porteiros simpáticos que havemos de pôr a dizer-nos Olá em vez de Ni Háo.
Todos, os oito. Três no décimo segundo três, duas no décimo sétimo sete e outros três no vigésimo segundo nove. Os Nunos e o David, a Susana e a Marta, a Cláudia, a Alexandra e o António. Todos entre os vinte e três e os vinte e oito, todos nómadas forçados neste vestíbulo peçonhento do meu suspirado Gobi. Tudo bons rapazes e boas raparigas. Guimarães, Barcelos, Porto, Viseu, Lisboa, Castro Verde e Vila Nova de Milfontes. Direito, Gestão, Turismo, Jornalismo, Ambiente, Relações Internacionais, Marketing. Eclético q.b. .

O nosso apartamento é um T3, com cento e sessenta metros quadrados. Fiquei com um dos dois quartos mais pequenos. Os apartamentos chineses não diferem muito dos nossos. Porém, todos têm ar condicionado e no WC da suite uma banheira e um poliban. Nenhum tem forno porque na China não se assa nada.
O senhorio está a demorar a colocar a mobília, coisa que faz parte do contrato que celebrámos e devido à qual não pudemos escolher nada. Temos as camas, as mesinhas de cabeceira, roupeiros ridiculamente pequenos, uma mesa e quatro cadeiras. Isto aliás tem sido um pagode. O senhorio entra na casa quando quer e bem lhe apetece para colocar mais uma coisita hoje, mais uma coisita amanhã. A última foram as cortinas do quarto do David, com ele lá dentro a dormir. Sim, nove da manhã de domingo e o David acorda com um ruído. Abre os olhos, vê duas pessoas no quarto que não deviam estar ali, a porem cortinas. Porém, o David é o David. Virou-se para o lado e continuou a dormir, tranquilamente. Só mesmo um alentejano. Se fosse comigo acho que tinha atirado com a mesinha de cabeceira a um deles.
Nós já vamos encolhendo os ombros. O ambiente não é montypythiano, mas parece-me que no fundo no fundo, estamos a esforçar-nos para isso, numa lógica distorcida de procura de sanidade. Enquanto não passearem cavalos brancos na sala, o chão não for aos quadrados e as cortinas não aparecerem de veludo vermelho, tudo bem. Mas já vamos tendo uma banheira que está encostada a uma parede... de vidro, do chão ao tecto, bem frente a outra torre. Obrigámos o senhorio a colocar uma cortina. Sem mais comentários.
O meu colchão faz lembrar um outro que a mãe da minha mãe tinha em casa dela e que era feito de palha. É extremamente duro, mas tenho dormido bem. Esta noite deixei o humidificador ligado para ver se acordava com a garganta menos áspera. Disse bem, humidificador. É que o deserto está a menos de cem quilómetros da nossa casa e a humidade nunca passa dos quinze, vinte por cento... Mas nada feito. Talvez tenha de deixar mais tempo o raio da maquineta a bufar.
Dizem que hoje vamos ter a máquina de lavar roupa e a TV. A máquina por acaso preocupa-me, porque TV só a oficial chinesa. Que por acaso tem um canal em inglês, mas continua a ser a oficial chinesa. Outro dia vi uma reportagem de que Orwell gostaria, referindo a visita do Presidente chinês ao Sudão e exaltando o aprofundamento das relações da China com aquele país, em que o Darfur não foi referido nem a título de destino turístico. E hoje vou ao Banco da China carregar os cartões da electricidade e do gás, que depois são introduzidos em ranhuras existentes nos respectivos contadores. Interessante, não é?

Todas as noites espero que seja mesmo realmente tarde para me deitar, de modo a estar tão cheio de sono que não seja possível estar demasiado tempo acordado, sobre o meu lado direito, de olhos abertos, tentando recordar na escuridão familiar da noite aquilo que a claridade turva do dia não me permite.

3 comentários:

Freddy disse...

Essa descrição de Pequim até dá vontade de perguntar se n valerá a pena andar ai de GPS...
E qto à descrição do ambiente doméstico bem como dos apêndices locadores, só dá vontade de rir, tal é o quadro do Dali que deve ser...

E olha que sou meio alentejano também!!!

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
prince disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.