Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007

A Noite ou Como Passar da China à Europa em Três Segundos Passando por África e pela Casa Pia – nota de rodapé

A verdade é que foram duas noites, sexta e sábado. Na primeira, fomos à descoberta. Ouvimos dizer que a zona de Sanlitun Lu, que é também a das embaixadas, tinha vários bares, alguns razoáveis. Lá fomos rua fora, um frio miserável, a pé, todavia já cansados de pagar um euro, no máximo um euro e meio, a dividir por três ou quatro, sempre que precisamos de usar o táxi.
À parte as inúmeras abordagens de que eu e os outros valorosos representantes da virilidade lusa sofremos por parte de belas jovens de vinte anos, “ladies bar?”, “want chinese lady?”, “body massage?” e por aí dentro, é de referir um certo dejà vú quando se põe pé na Sanlitun, num fim de semana à noite.

A versão pequinesa de Albufeira não é muito original. Também há vendedores ambulantes de comida, mas não há rulotes, só há carrinhos puxados por bicicleta; não há castanha assada, mas há batata doce, assada sobre brasas, ali mesmo, na rua. Por vezes encontram-se grupos de homens, encostados a uma parede, em plena calçada, a assar em brasas também feitas ali mesmo em pequenos recipientes de metal umas espetadinhas pequeninas de indecifrável carne, enquanto jogam cartas, fumam uns cigarros, destes daqui que custam um euro o maço mas que devem matar duas vezes mais depressa que os nossos, bebem uma zurrapa qualquer e riem.
Cada bar e cada discoteca têm dois ou três porteiros/angariadores de clientes, que quase nos impedem de continuar, atirando a palavra inglesa que aparentemente todos os chineses conhecem bem: cheap, cheap!, enquanto saltam de um lado para o outro tentando atrair a nossa atenção. Há vendedores de tabaco e muitos pedintes maltrapilhos. Alguns, crianças muito pequenas. A animação fica completa com os remates de luz e cor estridentes que cada casa expele portas e janelas fora.

Entrar num bar puramente chinês é uma experiência nova. Não que seja justo tomar o todo pela parte, mas a amostra foi ilustrativa. Há sempre meninas a cantar, normalmente duas, às vezes karaoke, às vezes não. E normalmente há sempre um organista mal amanhado, com ar de tipo que foi apanhado à pressa no meio da rua pra ir tocar umas cantiguitas. As músicas são daquelas à Vítor Espadinha, muito românticas, cantadas com muita expressividade facial, como se em vez de cantar o amor se estivesse a carpir o luto. O que talvez sobressaia mais são as cores e a decoração. Suponho que o Quentin Tarantino tenha vindo à China uma ou duas vezes, porque, apesar do enredo do Kill Bill ter ligações ao Japão, aqui, as semelhanças com a coincidência são mesmo realidade. Os círculos com as cores do arco-íris no cenário do palco, conjugados com os finíssimos lasers que dançam freneticamente não ao ritmo de sim eu sei que tudo são recordações e que mudam de cor de sílaba a sílaba, deixam-nos a esfregar os olhos, averiguando se a Amália é Rodrigues ou se é Thurman.
Enquanto uma canta, a outra espera ao lado, em silêncio. Simula um bambolear forçado, mas sem esconder a cara de frete e de desdém. E depois trocam. Em tudo.

Como tudo aquilo farta rapidamente, saímos não mais devagar. Sem conhecermos, vagueámos e demos por nós num beco, apinhado de pessoas, caracterizadas pelos mesmos dois traços: ocidentais e miúdos. Fomos parar ao bar da moda para todo o filho de diplomata e afins, o Shooters. Fez-me lembrar os bares manhosos da Ribeira. Pequeno, a abarrotar de gente, com bebidas baratas baptizadas com os nomes mais estranhos. Música da moda para abanar o rabo, da nossa moda, de há um ou dois anos. Pedimos um shot, pedimos uma TsingTao, que já agora é uma cerveja muito interessante. E pusemo-nos a observar.


Só aí percebi que não era um sonho, que não tinha regressado ao meu Tugalzinho pequenino da minha gente pequenina, do bacalhau e do Figo, do fado e do carago de que tenho tantas saudades e que ainda estava no outro lado do mundo. Porque aqui, as coisas são mesmo diferentes, seja em grandes pormenores ou em pequenos. E vi miúdos de catorze, quinze, dezassete anos no máximo, pretos, brancos, amarelos, escurinhos e assim-assim a dançarem todos juntos, parecendo um cardume, para onde um virava viravam todos, esforçando-se por terem em contacto uns com os outros a maior área corporal que fosse possível sem cair. A promiscuidade era viscosa. Fixei um rapazinho alto e magro com ar de árabe, que dançava com uma mocita que não podia ser mais nórdica. As mãos dele estavam coladas ao traseiro da miúda, ostensivamente abertas, enquanto passeava o nariz (só vi o nariz, mas até pode ter sido mais) pela cara, pelo pescoço, pelos ombros dela. Volta e meia davam um beijo, mais lambido que apaixonado. Às páginas tantas, cansa-se, larga-a e agarra outra, repetindo a façanha com a mesma aplicação. A questão é que era assim por todo o lado. Devia tratar-se de um grave caso colectivo de carências afectivas. É que não interessava se era gordo/a ou magro/a, bonito/a ou feio/a, alto/a ou baixo/a, rapaz ou rapariga, porque havia disso tudo. O que interessava era estar agarrado a outra pessoa, encostar o corpo todo a alguém e ter alguém atrás encostado a si. Impressionante.

Já meio enojado com tanta secreção e borbulhame metido a adulto, virei-me de costas e aportei ao balcão, onde esperava ver caras mais saudáveis. Mas não. O que vi pôs-me tão fora de mim que me apeteceu voltar ao mar de saliva e de suor lactífero... Um cavalheiro, talvez dos seus cinquenta anos, copo numa mão, a outra no bolso, virado para os putos, a medi-los de cima a baixo, com ar de carneiro mal morto. A babar-se todo, basicamente. Confundido, pois por momentos parecia que afinal tinha mesmo voltado a Portugal, tentei esquecer aquilo tudo, conseguir respirar à tona de tanta nhanha junta e, assim, procurei refúgio em mais uma TsingTao. Bebesse eu mais duas ou três e talvez tivesse enfiado um daqueles bancos altos na cabeça daquele bicho nojento, que não parava de olhar e, por vezes, cúmulo do asco, de fechar os olhos e respirar fundo como que a dizer a si próprio tem calma, tem calma... Depois o António decidiu meter conversa com o miserável, tipo deixa-me dar tanga ao pedófilo. E lá deu, tirando fotografias com o espécimen, abraçado, a rirem-se, um do outro e o outro não sei de quê, talvez de si mesmo e da sua desgraçada sina.

Na noite seguinte, fomos a uma festa promovida pela Embaixada de Angola numa discoteca chique da cidade. Bar aberto. Vimos Bonga projectado num ecrã e umas senhoras brancas e loiras dos seus cinquenta anos, vestidas de branco, com saias curtas e bem travadas a mostrarem que não há magreza que resista ao encanto da meia idade, dançando energicamente kizomba com os seus amigos africanos. Quando chegou a parte da tarrachinha, achámos que era melhor voltar ao frio da noite. O que fizemos. Não sem antes sorrir forçadamente para um senhor de idade muito atencioso para com as nossas colegas, que dançou à frente delas durante alguns minutos, qual pavão no cio. Mas não era pavão. É Embaixador.

2 comentários:

AVENTURA TT disse...

ÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ, Pedófilo a dançar, o que esses gaijos andam a tramar? Eim????

Freddy disse...

Até faz um gajo ter saudades das discotecas de bifas no Algarve ou do Cais... Canecos, ao menos xuta mais um fininho pq nem tudo pode ser mau nesta noite...