Há uns tempos atrás, fiz o Caminho Português de Santiago de Compostela, juntamente com os meus irmãos Escuteiros.
Essa caminhada teve como principal objectivo a definição e a interiorização das referências comunitárias de fundo que haveriam de orientar, no ano seguinte, a vida do Clã de Caminheiros que eu e mais dois dirigentes liderávamos na altura.
Contudo, apesar de se tratar de uma actividade de cariz essencialmente colectivo, ela não teria êxito se não fosse o aparecimento e a influência de um outro fenómeno e que normalmente surge sempre nestas ocasiões.
O encontro individual de cada um consigo mesmo, brutal, nu e cru, sem ruído de fundo que não seja a canção da montanha, ofuscando as almas de tanta verdade, num confronto primitivo com os limites íntimos, tanto físicos como emocionais, é a primeira e mais pungente arma de que nós, educadores do Escutismo, dispomos para agir pedagogicamente sobre o jovem e influenciar o seu carácter.
Caminhar cerca de vinte e cinco quilómetros por dia, ao sol e ao calor, à chuva e ao frio, de dia ou de noite, dormir num chão emprestado, comer pouco, mal e ter como único conforto a presença e a compreensão do irmão que está a meu lado, tudo isto e mais ainda, molda as mentalidades e forma os espíritos.
Finalmente estávamos às portas de Santiago. Já era fim da tarde e faltavam ainda uns quinze quilómetros. Decidimos pernoitar num albergue muito acolhedor, até porque estávamos a cumprir os tempos e só estava previsto chegar a Santiago no dia seguinte. Um dos rapazes estava mal, aflito com assaduras na parte interior das coxas e tinha mesmo de parar. Os outros pareciam bem, apesar de naturalmente cansados. Eu começava a sentir-me anestesiado, de corpo e de alma, como se o cansaço já pouco significasse para mim, como se algo me tivesse tomado e me forçasse a continuar, independentemente de conseguir ou não.
Havia beliches livres. Depois do jantar, reunimos para fazer uma curta reflexão sobre o tema do dia e avaliar o que tinha corrido bem e o que tinha corrido mal. Deitámo-nos.
A sensação que tive quando me deitei naquele colchão de espuma foi uma só: estava em casa. Tudo parou, tudo sossegou. Fechei os olhos e senti que estava em casa, de tão tranquilo e sereno que fiquei, naquela casinha perdida no meio dos montes da Galiza.
Casa é onde nos sentimos bem. Pode ser aqui e pode ser ali porque não há lei alguma que determine que cada pessoa só pode ter uma. A minha casa já foi a Galiza, por uma noite, como foi o Porto toda a minha vida. Hoje, Pequim já é a minha casa, porque estou bem, porque quando fecho os olhos já me sinto tranquilo e sereno.
No dia seguinte, no final de tudo, quando entrei na Catedral, chorei afastado dos rapazes, para que não vissem o chefe assim. Tinha-me encontrado comigo e soube que era altura de voltar à casa de sempre.
Essa caminhada teve como principal objectivo a definição e a interiorização das referências comunitárias de fundo que haveriam de orientar, no ano seguinte, a vida do Clã de Caminheiros que eu e mais dois dirigentes liderávamos na altura.
Contudo, apesar de se tratar de uma actividade de cariz essencialmente colectivo, ela não teria êxito se não fosse o aparecimento e a influência de um outro fenómeno e que normalmente surge sempre nestas ocasiões.
O encontro individual de cada um consigo mesmo, brutal, nu e cru, sem ruído de fundo que não seja a canção da montanha, ofuscando as almas de tanta verdade, num confronto primitivo com os limites íntimos, tanto físicos como emocionais, é a primeira e mais pungente arma de que nós, educadores do Escutismo, dispomos para agir pedagogicamente sobre o jovem e influenciar o seu carácter.
Caminhar cerca de vinte e cinco quilómetros por dia, ao sol e ao calor, à chuva e ao frio, de dia ou de noite, dormir num chão emprestado, comer pouco, mal e ter como único conforto a presença e a compreensão do irmão que está a meu lado, tudo isto e mais ainda, molda as mentalidades e forma os espíritos.
Finalmente estávamos às portas de Santiago. Já era fim da tarde e faltavam ainda uns quinze quilómetros. Decidimos pernoitar num albergue muito acolhedor, até porque estávamos a cumprir os tempos e só estava previsto chegar a Santiago no dia seguinte. Um dos rapazes estava mal, aflito com assaduras na parte interior das coxas e tinha mesmo de parar. Os outros pareciam bem, apesar de naturalmente cansados. Eu começava a sentir-me anestesiado, de corpo e de alma, como se o cansaço já pouco significasse para mim, como se algo me tivesse tomado e me forçasse a continuar, independentemente de conseguir ou não.
Havia beliches livres. Depois do jantar, reunimos para fazer uma curta reflexão sobre o tema do dia e avaliar o que tinha corrido bem e o que tinha corrido mal. Deitámo-nos.
A sensação que tive quando me deitei naquele colchão de espuma foi uma só: estava em casa. Tudo parou, tudo sossegou. Fechei os olhos e senti que estava em casa, de tão tranquilo e sereno que fiquei, naquela casinha perdida no meio dos montes da Galiza.
Casa é onde nos sentimos bem. Pode ser aqui e pode ser ali porque não há lei alguma que determine que cada pessoa só pode ter uma. A minha casa já foi a Galiza, por uma noite, como foi o Porto toda a minha vida. Hoje, Pequim já é a minha casa, porque estou bem, porque quando fecho os olhos já me sinto tranquilo e sereno.
No dia seguinte, no final de tudo, quando entrei na Catedral, chorei afastado dos rapazes, para que não vissem o chefe assim. Tinha-me encontrado comigo e soube que era altura de voltar à casa de sempre.
9 comentários:
É como quando chegamos à conclusão que somos cidadãos do mundo, do nosso lugar e de todos os outros lugares da terra.Quando o manto de estrelas que nos cobre é igual na China ou em Portugal, e quando a mesma música ouvida em lugares diferentes continua a ter o mesmo significado para nós. Nessa altura sim, sabemos que nos reencontrámos e que estamos preparados para correr num outro trilho, aqui ou noutro qualquer lugar, até à próxima vez em que nos havemos de voltar a reencontrar.
Oh boi, comoveste-me... Canecos!
Como entendo isso...especialmente a parte em que se encontra a casa e se chora de cansaço ou de alegria do encontro e principalmente por não mais lá poder voltar... porque é hora do regresso.
já deves imaginar a alegria que sinto... e nesta satisfaçao em forma de tranquilidade, Banpo poderá festejar em paz!
:)
é sempre bom encontrar o nosso lugar, o nosso pedacinho de casa. Afinal, todos temos um pouco de nómadas.
Eu festejo também.
Eis que o mundo se torna pequeno.
Vos andais muito lamechas. Ânimo!!!
BERLINDES,ROLAS,PARALELOS,TIJOLOS,CIMENTO,CORTINAS,VARÕES,RIPES,CHUMACEIRAS...............
Já tinha saudades da tua sensibilidade... como um elefante numa loja de porcelana... como se não andasses nesta vida de caminheiro há tanto tempo como eu...
Este ano não será Santiago será Fátima! Com pernoita na Serra D'Aire bem pertinho das pegadas de dinossauro.
Espero assim que encontrem novamente um novo "EU", mais maduro e consciente...
Que a caminhada os faça reflectir acerca das suas decisões, escolhas e partilhas. Dos seus objectivos pessoais e em comum assim como das suas atitudes.
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