Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

quinta-feira, 29 de março de 2007

A China Onde Vivem Os Chineses.

Pingyao é uma pequena localidade que fica a cerca de seiscentos quilómetros a sudoeste de Pequim.

“Do alto das muralhas, noto que a cidade é pouco mais do que um reduzido quadrado envolvido por esta vistosa barreira de pedra. Apenas cinco pequenas entradas permitem o acesso à cidade velha. Mas é no interior dessa figura geométrica que estão guardadas as principais relíquias do passado. Nada de prédios ou outros edifícios de mediana envergadura. Apenas casas térreas de um estilo bem definido, notoriamente de outra época. Algumas já restauradas, outras em via disso, bastantes ainda demasiado degradadas. E um ar de vida de bairro, com gente cozinhando apetitosa doçaria em plena rua. Comerciantes de pequenas lojas tentando atrair clientes. Barbeiros em intensa actividade. Dentes de ouro, luzindo aqui e ali. Velhos jogando cartas e jogos chineses em redor de mesas colocadas nas ruelas. E cheiros, muitos cheiros como em qualquer aldeia portuguesa. Um ocasional hello vindo de bocas juvenis, brincando. Ou gente sentada nos passeios saboreando um cigarro ocasional à porta de casa. E que casas, por vezes!”
por Filipe Morato Gomes.


Vamos lá, este fim de semana. Amanhã apanhamos o comboio às sete da tarde e aí vou eu, reviver em versão pinyin o comboio das Férias Desportivas. Onze horas de viagem, como o mui lendário Porto-Tavira. Infelizmente, só eu e o João temos a sorte de conhecer ao vivo esse ícone ferroviário. Mas contaremos aos nossos companheiros os diversos pormenores que hoje nos fazem suspirar por viagens nocturnas de comboio. Vamos em classe “hard sleeper”, pois já não havia “soft”. E voltaremos de avião, no domingo à noite. Tudo, repito, tudo, por quarenta e nove euros. E agradeço com amizade os insultos que provavelmente são proferidos aquando da leitura da frase anterior. Welcome to China. Eu gosto. E estou cá.

Depois ponho as fotos do contentamento dos Gobi BD fans.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Pequim, Vila Morena!

Gobi é livre!!

O Governo Chinês levantou a censura ao blogspot.com!

O heróico combate da Resistência Lusa contra a censura e o totalitarismo deu os seus frutos e de hoje em diante, cá estarei de novo livre para blogar e mostrar a realidade, não a material nem a dialéctica, mas a minha, a minha realidade, subjectiva, distorcida, parcial, errónea, aborrecida, divertida, a cores e a preto e branco, mas minha, caraças, livre!!!

Lição a tirar: depois destes ataques que sofri – censura chinesa aos blogs estrangeiros, indiferença geral ao caso do vigarista Sócrates, vitória de Salazar num tipo de processo de escolha que ele próprio sempre rejeitou (o voto) e ressurgimento da extrema-direita em Portugal – reaprendi e relembrei-me que há muito ainda a fazer, e permanentemente, na luta pela liberdade.

Recordei-me de mim.

O único extremismo que se pode admitir e abraçar é o combate ferrenho e sem tréguas pela liberdade das pessoas e das suas consciências e pela responsabilização daqueles que mandam! Quem virar as costas a esse combate que assuma as consequências, para si e para os outros...

segunda-feira, 26 de março de 2007

Eu, Português?

Não sei bem como possa exprimir o meu choque e o meu desgosto profundos, quando fico a saber que Portugal tem um primeiro-ministro que não é honesto, compra o curso e ninguém acha isso grave e sobretudo, quando fico a saber que Portugal tem um povo que diz que Salazar foi o maior português de sempre.
Não me interessa que o PM seja doutor ou não. Isso não conta para nada. O que conta é que ele não é honesto, porque saltou de escola em escola até que alguém lhe vendesse o curso. Mas mesmo assim, não há um jornal, uma rádio, nada, que pegue nisso a sério e que afirme sem medo que um homem sem escrúpulos não pode ser líder de um país. Estamos entregues a um vigarista e assobiamos alegremente para o lado, como se nada fosse.
Não me interessa que o concurso dos grandes portugueses fosse uma chachada de primeira água, mais uma pimbalhada estupidificante das massas que gostam é da novela e que aliviam as consciências por verem e participarem numa pseudo recapitulação (revisão?) da História de Portugal.
O PM é um vigarista. Como raio podem vocês viver tranquilamente com isso? Como? Como é possível não fazer qualquer coisa acerca disso? PM desonesto tem de cair. Tem de cair, acabou-se. Ele jurou sobre a Constituição! Não pode ter uma nódoa que seja!
Salazar foi o maior. Não me interessa que digam que isso é só um cartão amarelo à classe política actual. Não me interessa. Salazar, não. Salazar, não não não! Nunca mais! É uma vergonha! Uma vergonha!! Um desprezo grotesco por todos aqueles que lutaram com a própria vida pela liberdade, um desrespeito pelo próprio país que viveu amordaçado e amarrado durante quarenta anos, numa penumbra medieval e cuja factura de atraso económico, social e cultural ainda estamos a pagar!
E pior!: o segundo classificado só é outro que, independentemente dos sacrifícios que fez em nome da liberdade, também só os fez com o objectivo último de se tornar outro ditador talvez ainda pior que aquele que combateu!...
O que me interessa e preocupa é que o que eu sinto não é bem desgosto. É antes uma repulsa activa por tudo quanto seja da minha terra. Que é habitada por um bando de gente amorfa, inconsciente e irreponsável. E que neste momento, a única coisa que tem de bela, é a fotografia de um indescritível pôr-do-sol no meu Portinho lindo do coração, que tenho no ambiente de trabalho do meu computador, no emprego. O meu querido Porto, aquele que mora na minha memória, que me faz chorar sempre que me lembro dele; com os cheiros e as cores e as luzes e os sons e as vozes e tudo tudo tudo que só eu e quem mais puder ou quiser podemos saber...
Mas será que esse Porto existe mesmo?
Tenho muita vergonha. Eu, Português?

sábado, 24 de março de 2007

A Rambóiada do Costume.

Então, finalmente, aqui está Banpo não ao mais alto nível, mas numa noite mediana... Um exemplo de uma sexta-feira à noite @ Latino's.
Para os que sempre gostaram de ver BD sem ler os balões.




























Voltarei brevemente a este tema.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Dois Meses.

Ao fim de dois meses, cá estou. Sobrevivo e não me queixo. A vida vive-se mais quando se é forçado a dar valor a coisas que habitualmente são dadas como adquiridas. Como a liberdade de expressão.

Ao fim de dois meses, já digo: Outubro é amanhã. Sedado pelo barulho das luzes e pelas bebedeiras de azul, amanhã já é agora.

Dois meses, dois segundos. Tanta saudade, daí e já daqui, e ainda ontem aqui cheguei.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Guerra.


Irmãos blogueiros oprimidos de toda a China: UNI-VOS!!!

O ENTUPE, Exército Nacional dos Tugas de Pequim, enceta hoje a gloriosa jornada de combate heróico e libertação final de todos os blogueiros lusos e afins que vivem clandestinos nas ruas escuras e poluídas desta cidade esquecida por Deus.
Somos poucos, mas unidos na inexpugnável convicção do valor da nossa luta!

Ó Mães, rezem por nós!

Cap. Dudu out.


quarta-feira, 21 de março de 2007

Gobi Debaixo de Olho

O Governo Chinês, sem aviso prévio nem justificação e à imagem do que acontecia há apenas um ano atrás, vedou o acesso a diversos blogs, nomeadamente os que têm domínio .blogspot.

Não sei se isto vai durar muito ou pouco. O que sei é que naturalmente é limitativo para a plenitude de recursos de que o criador necessita para poder continuar a fazer crescer este pasquim, que tão simpaticamente é lido por tantas e diferentes pessoas, nos cinco continentes.

Gobi está debaixo de olho, mas não se deixará vencer.

Muitos são os caminhos para a liberdade. Começa hoje a luta.

segunda-feira, 19 de março de 2007

Dia do Pai

Ontem foi Dia do Pai.

E fui eu, logo eu, que alertei os meus companheiros de jornada para esse pequeno detalhe. Logo, presumo que vá tudo bem, mesmo. Tirando este tempo peçonhento, que não ata nem desata, ninguém sabe se é nevoeiro ou se é fumo, só se sabe que não se vê nada à frente do nariz. E nem a chuva é chuva de homem, umas gotinhas de molhar tolos como eu que não largam a bike nem que chova ácido.

Amanhã, fotos e quiçá um vídeo manhoso, aqui do Capitão Dudu. Finalmente, que já estamos fartos de treta, não é?

Quando eu ganhar o Nobel conversamos.

Um Post Viril.

Só para que saibam que estou cada vez mais vivo e para não mais ser acusado de pieguices literárias, aqui fica uma prova da minha vitalidade, inquestionavelmente máscula e tipicamente portuguesa:

Grande Jesualdo, és o maior, volta que estás perdoado. Já todos percebemos qual é o teu clube do coração!... Glorioso, E Pluribus Unum!

Estou profundamente feliz. O FCP volta e meia é simpático comigo... Obrigado FCP.

quarta-feira, 14 de março de 2007

Casa.

Há uns tempos atrás, fiz o Caminho Português de Santiago de Compostela, juntamente com os meus irmãos Escuteiros.

Essa caminhada teve como principal objectivo a definição e a interiorização das referências comunitárias de fundo que haveriam de orientar, no ano seguinte, a vida do Clã de Caminheiros que eu e mais dois dirigentes liderávamos na altura.

Contudo, apesar de se tratar de uma actividade de cariz essencialmente colectivo, ela não teria êxito se não fosse o aparecimento e a influência de um outro fenómeno e que normalmente surge sempre nestas ocasiões.

O encontro individual de cada um consigo mesmo, brutal, nu e cru, sem ruído de fundo que não seja a canção da montanha, ofuscando as almas de tanta verdade, num confronto primitivo com os limites íntimos, tanto físicos como emocionais, é a primeira e mais pungente arma de que nós, educadores do Escutismo, dispomos para agir pedagogicamente sobre o jovem e influenciar o seu carácter.

Caminhar cerca de vinte e cinco quilómetros por dia, ao sol e ao calor, à chuva e ao frio, de dia ou de noite, dormir num chão emprestado, comer pouco, mal e ter como único conforto a presença e a compreensão do irmão que está a meu lado, tudo isto e mais ainda, molda as mentalidades e forma os espíritos.

Finalmente estávamos às portas de Santiago. Já era fim da tarde e faltavam ainda uns quinze quilómetros. Decidimos pernoitar num albergue muito acolhedor, até porque estávamos a cumprir os tempos e só estava previsto chegar a Santiago no dia seguinte. Um dos rapazes estava mal, aflito com assaduras na parte interior das coxas e tinha mesmo de parar. Os outros pareciam bem, apesar de naturalmente cansados. Eu começava a sentir-me anestesiado, de corpo e de alma, como se o cansaço já pouco significasse para mim, como se algo me tivesse tomado e me forçasse a continuar, independentemente de conseguir ou não.

Havia beliches livres. Depois do jantar, reunimos para fazer uma curta reflexão sobre o tema do dia e avaliar o que tinha corrido bem e o que tinha corrido mal. Deitámo-nos.

A sensação que tive quando me deitei naquele colchão de espuma foi uma só: estava em casa. Tudo parou, tudo sossegou. Fechei os olhos e senti que estava em casa, de tão tranquilo e sereno que fiquei, naquela casinha perdida no meio dos montes da Galiza.

Casa é onde nos sentimos bem. Pode ser aqui e pode ser ali porque não há lei alguma que determine que cada pessoa só pode ter uma. A minha casa já foi a Galiza, por uma noite, como foi o Porto toda a minha vida. Hoje, Pequim já é a minha casa, porque estou bem, porque quando fecho os olhos já me sinto tranquilo e sereno.

No dia seguinte, no final de tudo, quando entrei na Catedral, chorei afastado dos rapazes, para que não vissem o chefe assim. Tinha-me encontrado comigo e soube que era altura de voltar à casa de sempre.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Nome de Luz

Cátia é nome de luz. Parabéns!

O Táxi de Pequim

Quando já passou mais de um mês e meio desta epopeia, começo a ter de puxar pela cabeça para tentar abstrair-me e assumir que aquilo que já é normal e corriqueiro para mim, não é para os assíduos leitores deste pasquim.

E por isso, vale a pena homenagear um dos ex libris desta cidade-estado, já aqui referido algumas vezes, mas nunca com a dignidade merecida.

O Táxi de Pequim.

Refiro-me a ele como se falasse de uma espécie animal, devido às suas características únicas, tanto no conjunto, como em cada indivíduo.

Os táxis de Pequim são sujeitos a forte fiscalização, uma vez que num passado bem recente, a prática quotidiana dos taxistas locais era um ícone para qualquer taxista do Porto ou de Lisboa, no que diz respeito a técnicas bem conhecidas de gamanço, como cobrar mais que o justo, fazer mais dez quilómetros que o necessário, etc etc.

Assim, quando se entra num táxi de Pequim, dever-se-á:

- Dizer alto e bom som, Ní Hao - para confundir o taxista, fazendo-o pensar que já somos de cá e que não nos come as papas na cabeça com duas tretas.
- Dizer alto e bom som o nome da rua, avenida ou edifício para onde se quer ir, sem recorrer a cábulas - com o mesmo objectivo.
- Verificar se o taxímetro é ligado. Se o taxista se "esquecer", deixar andar um ou dois quilómetros e depois refrescar-lhe a memória. Ele tem de ligar, senão podemos chamar a polícia.
- Abrir um pouco a janela para levar com um pouco menos do perpétuo e generalizado cheiro a alho e/ou cebola - a doutrina divide-se - que empesta cerca de noventa e nove por cento dos táxis de Pequim.
- Nunca dizer "Pu Tao Ya". O taxista dirá "ok!" e arrancará, em direcção a Oeste.
- Tirar fotos ao taxista e fazer vídeos curtos com ele, se se estiver a ir ou a vir dos copos. Isto dá cor às vidas deles, um gesto de altruísmo humano.
- Dizer "esquerda", "direita" e/ou "em frente" como se não houvesse amanhã.
- Fazer cara de mau/má e exigir recibo no fim. "Fa Piao!"
- Sorrir e agradecer. "Xié xié!"

quarta-feira, 7 de março de 2007

La Movida Em Versão Pequinois

Claro que ninguém pense que a (mo)vida num país de (cada vez menos) ditadura é aborrecida e sem animação. Sobretudo se há Portugueses por perto.

A (mo)vida é diversificada e com muitos pontos de atracção. Desde logo por decorrer, seja onde for, em contexto Banpo, o que desde logo multiplica a qualidade da coisa.

As muralhas da Banpo Village não são intransponíveis. Temos tido visitas aqui na aldeia. Sempre que alguém pede abrigo, Banpo escancara os altos portões. E então é ver as expressões de espanto e assombro, pela vida que Pequim dá a Banpo e pela outra que Banpo dá a Pequim.

Quando Banpo sai à noite, Pequim torna-se Banpo. Os romanos apercebem-se rapidamente que os gauleses saíram à rua. As suas sonoras e despreocupadas gargalhadas ecoam nas esquinas rectas da cidade escura e os indígenas agacham-se de receio à janela, espreitando curiosos a falange que passa.

Os hóspedes da Village seguem a marcha, confiantes no bom resultado da investida e na bravura dos Banpos.
Os raids têm tido como objectivo mais que um local de depravação nocturna, mas existe um em especial que começa a ficar francamente marcado pela ferocidade das hordas Banpoanas. Outra coisa não poderia acontecer a um local de nome "Latino's". Quando os exércitos de libertação entram nesse antro de suor e de cores tropicais, as paredes tremem, os cães uivam, as mães escondem os filhos. A pilhagem é completa. Beber, rir, dançar, rir, beber, cair, rir, sorrir, dançar, falar e falar. Uns com os outros, uns pelos outros, uns dos outros. Todos com todos.

Inquietos, sempre, e ainda munidos de rambóia e deboche que chegariam para três Latino's, nunca se dão por satisfeitos na sua ânsia incontrolável de diversão, gastando parte do resto das energias em mais um ou dois antros, normalmente piores, muito piores, ou piores ainda.

Mas isso não interessa. É Banpo que está na rua.

terça-feira, 6 de março de 2007

As Muitas Máscaras Do Terror.

Massagem pode ser um grande monte de massa, disforme, mal feita, daquela grossa que coze e pega toda.

Massagem pode ser uma sms em português dos Açores.

Massagem pode ser um eufemismo para prestação de serviços sexuais.

Massagem pode ser uma terapia para dores musculares e de outra ordem, através da aplicação de pressão nas zonas afectadas, normalmente com as mãos.

Massagem foi uma tareia que alguém me deu, usando uma máscara cirúrgica durante o processo. Fazendo lembrar o técnico de autópsia que, sinistro, parava por breves segundos de fazer o que estava a fazer para olhar sorridente para nós, aterrados finalistas de Direito. Não percebi a parte dos beliscões e sobretudo a necessidade de praticamente arrancar o meu sinal de pele da minha omoplata esquerda, tão bonito que ele era.

No fim, ela sorriu também.

sábado, 3 de março de 2007

Neve

Lembro-me de há muitos anos atrás a minha mãe chamar-me à varanda, aos gritos, como se algo muito importante estivesse a acontecer na rua.

E estava. Estava quase a nevar. Era estranho, era quase neve. Não sei, acho que teria talvez seis ou sete anos. Foi uma experiência que não tornei a repetir. Já estive em muitos lugares, onde neva, mas nunca voltei a ver neve.

Hoje vi neve. Muita neve. Não um nevão daqueles que se vê na televisão, de neve até ao joelho, mas neve que cai e que se vê bem que é neve e que deixa tudo branco tão depressa, que não acreditei.

Íamos no táxi, a caminho dos copos e tive de abrir a janela para ver a neve a cair. Fiquei suspenso. Nunca tinha visto neve na vida.


sexta-feira, 2 de março de 2007

Outra Estreia

E finalmente, após um mês de aventuras e rodopios, eis senão quando a realidade nua e crua choca comigo nas ruas de Pequim!
No caso concreto foi outra bicicleta, conduzida por um senhor de alguma idade que, como tantos outros, mete-se à frente de quem vem de trás da forma mais lenta e despreocupada possível.
Como se há coisa que ainda não consegui foi ganhar paciência para este jeito de andar na rua, costumo pedalar forte, digamos que a ponto de ultrapassar carros. O resultado já se vê.
O vôo foi artístico, resultado de muitos anos de mota e da aprendizagem que se vai tirando de algumas quedas, ainda poucas felizmente. De costas no chão, olhei para os lados, aguardando algum aplauso entusiasta dos transeuntes, na esperança que valorizassem a façanha e me confundissem com o herói local, o conhecido Jet Li. Mas nada. Espanto e bocas abertas. Ainda no chão e zangado, pontapeei literalmente a bicicleta, que entretanto havia feito o favor de aterrar bem em cima de mim. Olhei para a bicicleta, olhei para a minha roupa e apalpei pernas e braços. Pronto para outra.
Ainda levei do pobre diabo que me concedeu aquele momento de glória umas palmadas valentes nas costas, procurando redimir-se do triste feito enquanto me sacudia a poeira do casaco. Sacudi-o eu de cima e arranquei.
Logo pensei: "olha, mais um post."

Banpo.

A Língua Portuguesa é reconhecidamente uma das mais ricas, tanto do ponto de vista da gramática, como da própria profusão de vocábulos. Trocando por miúdos, é complicada como o caraças, tem para cima de muitas palavras e é conhecida por isso.

Aquilo que a enriquece ainda mais é a sua apetência a incorporar novas palavras, nomeadamente os denominados estrangeirismos. Hoje em dia, é sabido, somos bombardeados por novos termos sobretudo vindos da língua inglesa.

Pessoalmente não defendo a corrente que propõe a alteração desses termos estrangeiros de modo a aportuguesá-los. Penso que eles devem ser mantidos tal como o são na língua mãe, para defender tanto essa língua como a língua adoptante. A nós parecem ridículas algumas adaptações manhosas que o Brasil fez de algumas palavras inglesas, como o esporte, o checar e tantas outras mais. Dizer "email" é mais claro e simples que dizer "correio electrónico". A nossa língua não sofre qualquer prejuízo por adoptar a palavra email e todos ficam contentes.

Posto isto, venho propor a introdução na Língua Portuguesa de um estrangeirismo, desta vez, com origem no chinês, sem adaptações que desvirtuem aquilo que é um significado único e que mais palavra alguma consegue conter.

Banpo.

Banpo (que por si só já viola a regra do m antes dos p e dos b, mas eu não gosto de adaptações) foi o nome dado a uma aldeia neolítica, datada de há seis mil anos atrás e que, segundo os investigadores, é das primeiras comunidades humanas sedentárias de que há registo. A reforçar o valor histórico do achamento, vem o facto de a aldeia ter sido encontrada num excelente estado de preservação e de se encontrar numa zona do mundo, a China, que ainda hoje tem vestígios da cultura diametralmente oposta – a nómada.

Banpo é a primeira comunidade, relance original de todas as outras que se seguiram. Onde todos são diferentes, onde todos têm proveniências e histórias de vida diversas, onde uns são assim e outros são assado. Mas onde todos (con)vivem, partilhando um objectivo comum.

Mas essa banpo não expressa qualquer novidade. A novidade é uma versão específica da palavra.

Banpo é a comunidade de existência forçada onde porém os afectos são inesperadamente espontâneos e intensos. Os americanos chamar-lhe-iam one big happy family, mas é insuficiente. A TVI chamar-lhe-ia efeito Big Brother, mas tal mancha e desvaloriza o carácter bonito e simples da palavra. Porque esta traduz mais um processo dinâmico e evolutivo do que um estado. Banpo é o fenómeno do estabelecimento invulgarmente rápido e intenso de ligações afectivas entre quase desconhecidos, em situações de isolamento ou noutras que de algum modo alteram a normalidade emocional dos sujeitos. Onde as principais bases de sustentação do equilíbrio emocional, nas quais se busca a alimentação quotidiana para a alma, nas quais se busca a gargalhada mais cristalina e saída do fundo do coração, o sorriso mais tranquilo e sincero ou o ombro mais confortável onde repousar, se transferem para aqueles com quem experimentamos essas ditas situações.

Como posso tentar racionalizar o irracionalizável?

Banpo somos nós, os nove, ou dez, hã João? Enfim, estou a fazer amigos. Quem diria?