Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Gobi Out.

Gobi vai desaparecer durante uma semana.

As montanhas que anunciam os Himalaias vão conhecer a sua antítese. Sichuan não será a mesma.

Banpo On The Road, agora também com alguns saltimbancos temporários.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Hotel Pequim.

Nas últimas semanas tem ocorrido um fenómeno que em nós tem causado um sentimento de profunda satisfação e ao mesmo tempo de doce nostalgia.

Com a estreia em Fevereiro, através do nosso colega Pedro, Contacteante da edição do ano passado e que vive em Shanghai, desaguando no momento presente, em que só nos nossos três apartamentos está alojada cerca de uma dúzia de familiares e amigos vindos expressamente de Portugal, a nossa casa pequinense tem sido um autêntico porto de abrigo.

Além daqueles, entre Fevereiro e este belo e soalheiro final de Abril, também estiveram connosco colegas de Shanghai e de Macau – todos do Programa.

A sensação que causa é a de sermos como uma casa segura, onde toda a gente quer ir, que toda a gente quer visitar, onde todos se sentem bem. É realmente reconfortante darmos o que temos para que as nossas visitas se sintam acolhidas e confortáveis, nesta autêntica república de reformados dos tempos universitários.

Os nossos familiares, os nossos amigos e os colegas vêm e vão, nós dizemos olá e dizemos adeus, fazemos companhia e rimo-nos com eles, sempre com aquela sensação de estarmos cá há muito tempo e para sempre, de os recebermos no nosso castelo e de os vermos partir, cheios de contentamento e de saudade antecipada.

Feliz foi também a descoberta de mais residentes lusos nesta cidade. Gente jovem com quem nos entendemos lindamente, com quem discutimos política e futebol, chinesices e portuguesices, sempre num ambiente entusiasmado de querer viver tudo e agora, de partilhar e de rir. De rir sinceramente, de percebermos que faz sentido estar aqui, que estamos bem e que nada de errado poderá acontecer.

Venham mais, que há sempre sofá para mais um.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

O Reencontro.


Sexta-feira, vinte e sete de Abril, noventa e quatro dias depois.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O Parto da Borboleta.


A borboleta antes de o ser era alguma coisa. Resolve um dia dizer que não quer assim e recolhe-se, para voltar mais forte e esplendorosamente bonita.


O recolhimento da dor não pode perpetuar-se. Mesmo que não se esqueça. Eu estou aqui, não estou em mais lado algum e não esquecerei. Porém sei que alguém que está comigo e com todos quer que eu e eles continuemos, mais fortes e mais bonitos. Tal como o seu coração.


Do choque brutal e da revolta incrédula, somos todos vítimas e culpados, uma vez pelo menos. Um abraço a ti, o abraço a ti, aquele que não pude dar e me consome na angústia do perdido.

Hoje é dia do sol tornar vivo a nascer e das borboletas saírem lindas a voar.

quarta-feira, 18 de abril de 2007


Hoje, tenho algo sobre o que escrever.

Mas não vou escrever, porque nem sempre as palavras, sempre tão perfeitas, conseguem cumprir o seu papel. As palavras por vezes tropeçam nelas próprias.

Restam-me o silêncio e a estupefacção.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Boletim Meteorológico.

Está a chegar a Primavera.

Chegar a Pequim em Janeiro pode ser um forte incentivo a não se gostar da cidade, tal é o frio, o smog e a falta de cor. Mas miraculosamente, desde há uma semana para cá, percebe-se que o Inverno já era. O sol brilha frequentemente, sendo até mesmo possível vê-lo pendurado num céu azul ilustrado de nuvens brancas. Já se veste apenas uma camisa e um casaco leve. Ainda no fim de semana tive uma estreia: andei na rua de manga curta! O próprio cinzento, que dominava toda a paisagem, começa a dar lugar a alguns pontos de verde e muitas árvores já floriram. Aliás, ontem e hoje estão a ser dias marcados por uma autêntica neve de esporos, que esvoaçam por todo o lado, cobrindo tudo e todos. Cheguei a recear que os meus problemas relacionados com alergias dessem de si. Mas até agora, nada, mesmo sendo uma torrente de algodõezinhos brancos, tantos que parece mesmo um verdadeiro nevão. Nem sinal das crises que me aprisionavam em casa e não me deixavam fazer absolutamente nada, às vezes nem ver e mal respirar. O sol e o calor trazem outro ânimo, fazem lembrar um outro sol e um outro calor que julgava terem ficado apenas nas minhas recordações.

Ao mesmo tempo, dizem que a época das tempestades de areia vindas de mim se aproxima a passos largos. Tempestades que cobrem a cidade de um amarelo de ouro e que, elas sim, não deixam ver nem respirar. Vou gostar de experimentar, saber como é aqui, uma boa tempestade de areia, sobretudo durante as minhas corridas diárias de bicicleta, munido que estarei de um bom par de óculos de montanha.
Depois das más disposições gobianas, vem o calor, que descrevem como tórrido e húmido. Cá estaremos também para o comprovar... ou não.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Ainda Pingyao - extra time.

Inexplicavelmente, talvez ainda emocionado com a Missa de Páscoa ou desorientado com as insolúveis más noites de sono, esqueci-me de referir aquele que foi um dos momentos altos da visita a Pingyao.

Pingyao tem uma comunidade cristã, católica ao que parecia. Limitada por um muro alto, tratava-se de uma pequena igreja rodeada de pequenas e poucas habitações, quase como um enclave. A igreja era simples e pobre. Estive talvez um minuto lá dentro, absolutamente só, junto do altar, de pé, a respirá-la e a lembrar. Foi o meu encontro, que tanto queria sem me aperceber e tão inesperado como é próprio, finalmente.

Sinto muito a falta de certas coisas. E o conforto que senti naquele momento é uma delas.

Parabéns, Joaninha!

sexta-feira, 13 de abril de 2007

Ainda Pingyao – Cap. III: A Viagem para Cá.

Quando no Domingo acordámos, sabíamos que era dia de regresso. Mas “regresso” não deixa de ser de algum modo uma referência vaga ou como dizemos no Direito, um conceito indeterminado...

O Jinjinglou presta praticamente todos os serviços associados a uma excursão à cidade de Pingyao. Aliás, essa é prática comum a praticamente todos os Youth Hostels daqui. Assim, e pela módica quantia de sessenta kuays cada um, lá nos encaixámos os onze na tal carrinha que um dia gostaria de ser Hiace de nove lugares, mas que na verdade até era de seis, se virmos bem os bancos disponíveis. Fizemos cem quilómetros de Pingyao a Tai Yuan, por estradas nacionais chinesas. Indescritível. Por dia, na China, morrem cerca de duzentas pessoas nas estradas. Diz-se assim, ah isso não é nada, eles são mil e trezentos milhões. Quero lá saber das proporções e das percentagens! O que sei é que entre crateras lunares por todo o lado, ultrapassagens pela direita, andar em contramão na autoestrada, fazer uns três quilómetros por duas vezes por caminhos de cabras – para lá e para cá – só para não pagar dois euros de portagem, entrar e sair de vias rápidas por esses mesmos caminhos, inverter a marcha nessas mesmas vias pisando TRÊS traços contínuos e outras façanhas dignas de um Mr. Bean versão filme de terror, não sabemos bem como conseguimos almoçar, visitar dois locais alegadamente pitorescos e chegar ao aeroporto.

Mas chegámos. E sentar no avião foi um alívio, pois só faltava uma hora para chegar a casa e o facto de ser a desconhecida Hainan Airlines a transportar-nos pouco perturbava. Não após a épica jornada da tarde, que ficaria para sempre gravada nas nossas memórias e durante uns dias nos nossos ossos.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Ainda Pingyao – Cap. II: A Cidade.

De descrições históricas e panfletos turísticos sobre esta pequena cidade do interior da China, já está este pasquim satisfeito – ver A China Onde Vivem Os Chineses.

Assim, resta contar aquela que é a realidade que não vem nas publicidades mais ou menos enganosas.

Pingyao é uma localidade essencialmente feia. Flagelada durante anos e anos por minas e centrais de carvão, dentro e fora da cidade, na boa tradição comunista de perseguir o “progresso” a qualquer custo, o resultado é uma cidade de uma só cor – cinzento. Telhados, paredes, ruas, atmosfera, pessoas, tudo, tudo envolto ou coberto numa fina camada de pó negro, reforçada pela poeira causada pelas inúmeras obras que vão decorrendo nas vias e nos edifícios. Essa é a imagem que predomina e a memória que fica em primeiro lugar. Nunca mais me queixarei do belo e saudável smog de Pequim.

Depois há o resto. E o resto é a China que todos os que não a conhecem pensam que ela é. Dentro das muralhas da cidade, onde ficámos instalados, concretamente no acolhedor Jinjinglou Youth Hostel, característico pelos quartos das camas de três lugares (!), as ruas são estreitas e compridas, ladeadas por incontáveis lojas e lojinhas, que vendem tudo e mais alguma coisa: artesanato, comida, passeios, dormidas, almoços, jantares, roupa, acessórios e muitas outras coisas. Há vendedores de rua por toda a parte, os que fazem petiscos ao vivo e a cores e os que apenas tentam vender brochuras turísticas. As ruas são perpendiculares e todas pedonais. Por isso, há sempre a expectativa de dobrar mais aquela esquina, aliada a uma ténue sensação de labirinto. O ambiente é de boa disposição, ao ponto de até termos parado na rua para jogar um jogo típico com mais seis ou sete chineses e chinesas. Aqui é mesmo assim. Em Pequim vê-se muito jogar badmington, sobretudo à noite e no meio do passeio, por pessoas que, em Portugal, normalmente estariam em casa a queixar-se do frio ou de outra coisa qualquer ou então já a dormir.

Quando saímos das muralhas para visitar um templo taoísta a seis quilómetros dali, apercebemo-nos que na estrada, a China de Pequim não é diferente da China de Pingyao. Mas sobre isto falarei mais tarde.

Visitámos também um outro templo, da denominação tibetana do budismo, este ainda dentro de muralhas. É preciso esclarecer que “templo” não significa um edifício, mas um complexo deles, cada um dedicado a deuses diferentes e com história e contexto próprios. Assim, num cenário de introspecção e recolhimento, fomos presenteados com a companhia de alguns monges, que candidamente nos pediram para lhes ensinarmos a dizerem pussy, dick e tits, mas não sem educadamente retribuir, louvando alguns destes atributos de alguns dos banpos ali presentes, mormente os últimos. O que fica sempre bem a qualquer clérigo, sobretudo se tiver uma aparência perfeitamente inofensiva e se for baixinho, gorducho e sorridente. O absurdo e o inesperado fazem parte desta terra. Não por se interessarem pela matéria em causa, que isso é universal, mas por o demonstrarem publicamente e com a maior das naturalidades.

Mais tarde, viríamos a conhecer um local de convívio bem à moda que conhecemos: um pub, mais ou menos inspirado nos pubs britânicos. O "Sakura". De registar a amabilidade do dono do dito, aquando do lanche que lá comemos, ao convidar-nos para a festa que haveria de decorrer à noite, esquecendo-se porém de acrescentar que os convivas de tal evento seríamos apenas nós e a dúzia de estarrecidos mirones que, do lado de fora e com os narizes colados à janela nos observavam despudoradamente enquanto dançávamos (uns com os outros, pois não estava lá mais ninguém). Boa música apesar da mesa de som estourada a meio da paródia, boa bebida apesar de nem todos a terem mantido no estômago e boa noite de descanso apesar da estranha história dos quase threesomes forçados.

No dia seguinte, pouco mais fizemos para além da viagem de regresso. Tínhamos cem quilómetros de estrada pela frente até ao aeroporto mais próximo, enfiados numa carrinha de nove lugares apesar de sermos onze, e ainda dois locais ditos especiais para visitar no caminho.

Ainda Pingyao - Cap. I: A Viagem para Lá.

Apesar de alguns Gobi Fans serem especialmente iletrados e não gostarem de posts cheios dessas coisas estranhas a que alguém chamou palavras, exercendo pressões inaceitáveis para que este folhetim se torne numa Hola! chinoca, aqui estou para descrever a todos os outros a nossa viagem de há cerca de semana e meia a essa nada bela localidade de Pingyao.

Desde logo, uma nota para a Beijing West Railway Station que, não sendo a principal de Pequim, é brutalmente grande. A única coisa que me ocorreu dizer, quando fui comprar os bilhetes cinco ou seis dias antes foi “é maior que muitos aeroportos onde já estive”. Com security checks e tudo. Terminais, mangas de acesso, enfim...
Fica a foto do arco de entrada.

Viajar em comboios chineses é muito interessante, sobretudo se tivermos de dormir neles. Não fomos a tempo de comprar bilhetes soft sleeper, que são a versão mais confortável dos beliches que preenchem parte destes comboios de longo curso. A diferença para os outros, hard sleeper, onde fizemos a viagem, é que cada compartimento tem quatro camas, não seis e ainda tem porta para fechar e isolar do corredor, o que os hard sleeper não têm. Além disso, o colchãozinho dos soft é um pouco mais fofo que o dos hard.

A verdade é que, ao dar umas voltinhas pelo comboio (estilo FD, a percorrer as carruagens só para ver quem está e dizer uns olás), rapidamente nos apercebemos que hard sleeper é bem melhor, não só pelo preço mas também porque é muito mais arejado e com um aspecto mais limpo. O ambiente nestas carruagens é comunitário e muito familiar. Quem tem um beliche de baixo oferece-o para que outros possam sentar-se; o cheiro a comida aquecida domina; as pessoas acotovelam-se para passar no estreito corredor; há roncos, pés de fora das camas, traques, gente a passear de pijama e passadeiras de alcatifa muito gasta.

O tempo foi passando, por entre histórias de acampamentos e outras minhas desventuras, piadas fáceis do João, snacks rápidos da Mother Boli, cigarrinhos com o Commander Gonças e cervejinhas frescas ajuizadamente adquiridas pela Suzie Wong. Até que o cansaço nos venceu e lá fomos confrontar-nos com o teste final. As camas não eram desconfortáveis, eram muito limpas e com direito a um edredon, uma almofada e uma toalha. Recomendo a quem quiser passear por cá. A doze euros por seiscentos quilómetros, acho que vale a pena.

Doze horas depois, era dia e estávamos em Pingyao.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Páscoa em Gobi.

Domingo fui à Missa. Em Pequim existe uma pequena comunidade católica, fiel a Roma, que convive de forma desconfortável com um governo que ainda não tem relações diplomáticas com a Santa Sé e que proíbe qualquer culto cristão que não seja o da Igreja Cristã oficial do Estado Chinês.

Assim, ir à Missa tradicional torna-se uma aventura. Não que seja celebrada nas catacumbas, com receio dos legionários, nem que o símbolo maior seja um peixe, para evitar a perigosa e denunciadora cruz. Mas é no mínimo uma experiência nova, ir à Missa neste país.

O governo sabe que sábado às dezassete e domingo às dez e às onze há missa no vigésimo primeiro piso do Kerry Center. Contudo, para mostrar quem manda, qual ingénuo pai severo que obriga o rebento adolescente a estar em casa às x horas da noite só porque sim, as autoridades chinesas impõem algumas pitorescas exigências à comunidade católica, mormente aos seus líderes, que só podiam decorrer da demagogia inerente a um regime autoritário: a missa não é missa, é “festa”. Assim deve ser anunciado o encontro dominical, seja em panfletos, seja à porta da própria cerimónia. E à entrada o crente tem de apresentar o seu passaporte, para fazer prova da sua condição de estrangeiro. Pois chinês algum pode professar a Fé noutra igreja que não seja a de Mao.

Como se tratava da “Easter Party” – sim sim, tal e qual, mesmo isso, a afluência de fiéis era previsivelmente maior que o habitual. E assim foi. Salão de baile do China World Hotel, talvez umas quinhentas pessoas. Cadeiras soltas em auditório, altar coberto por uma bela toalha branca, com o Missal Romano e um círio, uma pequeníssima tapeçaria com uma representação vaga de crucifixo pendurada na parede, um pequeno Sacrário de madeira lá atrás e um ambão móvel para a leitura da Palavra.
Presidida por um sacerdote americano, o Father Thomas, um homem de sessenta anos, muito bem disposto e que induz uma dinâmica muito forte e colorida nas celebrações, a Missa foi bonita. Muito simples, com um coro bem ensaiado, mas marcada por um traço muito forte de comunhão fraternal entre os participantes. As pessoas sorriam de forma franca e aberta umas para as outras, nos momentos litúrgicos adequados e não só. Os olhares eram felizes. Porque ali, só estava quem realmente queria. Ali só se deslocou o indivíduo que está longe de casa e sente saudade do cheiro fresco das manhãs de domingo e do sol ofuscante que só há aos domingos e nos beija as faces quando caminhamos para a igreja. Sem obrigações sociais, sem conveniências circunstanciais. Na Missa de Páscoa de Pequim só estava quem sentia o chamamento que vem de dentro, um chamamento caloroso, acolhedor, luminoso, pleno e gratuito, de dádiva plena e de entrega recíproca.

Era Páscoa, com Cristo vitorioso sobre a morte e presente ali, não só vivo como Senhor da própria Vida, dentro de cada um de nós, enchendo-nos os corações de força e confiança para continuar a caminhar e para continuar a lutar, por nós e por todos os outros.

terça-feira, 3 de abril de 2007

Pingyao, China - Banpo On Tour 2007.


Se carregarem nas imagens, vê-se melhor... Pros meninos da BD.