Vi o José Sócrates por duas vezes.
Uma, quando fui à Assembleia da República para ter uma reunião com um grupo parlamentar qualquer. A outra, quando a descer a Rua de S. Bento à frente de uma qualquer manifestação, ele passou por nós a subir, possivelmente em direcção à casa cor de rosa no cimo da colina. Da primeira vez, foi num elevador, no tempo do Durão. Eu subia e ele entrou a meio da ascensão. Subimos dois andares ou três só os dois e os botões naquele silêncio constrangido do costume. Saiu antes de mim, não sem lançar um crítico “boa tarde”, pelos vistos incomodado pela falta de educação portuense. Como se eu cumprimentasse quem não conheço. Talvez ele, que é de Bragança, tenha sido criado a dizer bom dia e boa tarde na rua sempre que alguém passa por ele. Mas vendo bem não é isso. Não pode ser. Quando passou por nós na manif não deu boa tarde a ninguém. Devia ter-me acercado dele e buzinar-lhe com o megafone “BOA TARDE!”...
Anteontem vi-o outra vez.
Tivemos de nos levantar muito cedo. Os chineses não admitem atrasos e a cerimónia estava marcada para as nove e meia. Da pousada ao CCPTI, ou seja, ao Conselho para a Promoção do Comércio Internacional da China, ainda são uns dez quilómetros, o que significa uns quarenta minutos de táxi às oito e meia da manhã.
Era o nosso último despertar no Zhaolong e, por isso, estávamos felizes.
Surpreendido, verifiquei que a direcção tomada pelo taxista anunciava que poderíamos passar por Tiananmen, local que ainda residia apenas nas minhas vagas lembranças de algumas reportagens clandestinas nos idos de oitenta e nove. Estava desterrado há oito dias e ainda não tinha visto o que justifica vir a esta terra.
E assim foi. O percurso é monótono, descer a Dongsanhuan, virar à direita uns quilómetros depois e seguir mais alguns. Durante todo este caminho, o esplendor da nova China. Arranha-céus futuristas, larguíssimas avenidas novas. Até que passamos por Tiananmen e pela Cidade Proibida. Praça à esquerda, Cidade à direita. Claro, uma praça é uma praça. Faz lembrar Fátima, de tão ampla e aberta. A ventania é pré-ciclónica, o frio entra violento em cada poro da pele, mal se conseguindo manter os olhos abertos. Não é possível estar sem luvas. As mãos, mesmo que estejam quentes, gelam em trinta segundos. É assim em todo o lado, mas como Tiananmen fica num ponto um pouco mais alto que o resto da planíssima cidade, sente-se ainda mais. Nas arestas do quadrado, a Cidade, um edifício do Estado, imponente, com uma gigantesca estrela vermelha pendurada em ângulo recto do vértice superior da cornija e ornamentada por baixo com uma palma de louros verdes. Lá ao fundo, do outro lado do Tejo, outro edifício semelhante a este, onde consigo vislumbrar outra estrela entre as sete bandeiras da China de cinco por três metros que, alinhadas milimetricamente, dançam furiosamente no centro da praça. Uma constelação interessante, mas cuja pretensão a um lugar no zodíaco político do mundo me parece seguramente pouco meritória.
“A Cidade Proíbida ocupa uma área de 72 hectares em pleno centro de Pequim (um rectângulo com 760 metros, de Este para Oeste e 960 metros, de Norte para Sul), rodeados por um muro com 10 metros de altura e um fosso de 52 metros de largura, numa extensão de 3800 metros. Dispõe de quatro torres de vigia em cada canto e de quatro portas de entrada, igualmente, dotadas de torres: a Porta do Meridiano (a Sul, no eixo central da cidade), a Porta da Vontade Divina (a Norte) e as portas Floridas de Este e de Oeste. Os antigos imperadores acreditavam viver no centro do Universo e que a linha do meridiano passava pelo meio da Cidade Proíbida. Ao longo de praticamente cinco séculos (491 anos), viveram na Cidade Proíbida um total de 24 imperadores - 14 da Dinastia Ming e 10 da Dinastia Qing -, com as suas cortes de eunucos, esposas e concubinas.” (in http://janelanaweb.com/viagens/pequim.html)
Anteontem vi-o outra vez.
Tivemos de nos levantar muito cedo. Os chineses não admitem atrasos e a cerimónia estava marcada para as nove e meia. Da pousada ao CCPTI, ou seja, ao Conselho para a Promoção do Comércio Internacional da China, ainda são uns dez quilómetros, o que significa uns quarenta minutos de táxi às oito e meia da manhã.
Era o nosso último despertar no Zhaolong e, por isso, estávamos felizes.
Surpreendido, verifiquei que a direcção tomada pelo taxista anunciava que poderíamos passar por Tiananmen, local que ainda residia apenas nas minhas vagas lembranças de algumas reportagens clandestinas nos idos de oitenta e nove. Estava desterrado há oito dias e ainda não tinha visto o que justifica vir a esta terra.
E assim foi. O percurso é monótono, descer a Dongsanhuan, virar à direita uns quilómetros depois e seguir mais alguns. Durante todo este caminho, o esplendor da nova China. Arranha-céus futuristas, larguíssimas avenidas novas. Até que passamos por Tiananmen e pela Cidade Proibida. Praça à esquerda, Cidade à direita. Claro, uma praça é uma praça. Faz lembrar Fátima, de tão ampla e aberta. A ventania é pré-ciclónica, o frio entra violento em cada poro da pele, mal se conseguindo manter os olhos abertos. Não é possível estar sem luvas. As mãos, mesmo que estejam quentes, gelam em trinta segundos. É assim em todo o lado, mas como Tiananmen fica num ponto um pouco mais alto que o resto da planíssima cidade, sente-se ainda mais. Nas arestas do quadrado, a Cidade, um edifício do Estado, imponente, com uma gigantesca estrela vermelha pendurada em ângulo recto do vértice superior da cornija e ornamentada por baixo com uma palma de louros verdes. Lá ao fundo, do outro lado do Tejo, outro edifício semelhante a este, onde consigo vislumbrar outra estrela entre as sete bandeiras da China de cinco por três metros que, alinhadas milimetricamente, dançam furiosamente no centro da praça. Uma constelação interessante, mas cuja pretensão a um lugar no zodíaco político do mundo me parece seguramente pouco meritória.
“A Cidade Proíbida ocupa uma área de 72 hectares em pleno centro de Pequim (um rectângulo com 760 metros, de Este para Oeste e 960 metros, de Norte para Sul), rodeados por um muro com 10 metros de altura e um fosso de 52 metros de largura, numa extensão de 3800 metros. Dispõe de quatro torres de vigia em cada canto e de quatro portas de entrada, igualmente, dotadas de torres: a Porta do Meridiano (a Sul, no eixo central da cidade), a Porta da Vontade Divina (a Norte) e as portas Floridas de Este e de Oeste. Os antigos imperadores acreditavam viver no centro do Universo e que a linha do meridiano passava pelo meio da Cidade Proíbida. Ao longo de praticamente cinco séculos (491 anos), viveram na Cidade Proíbida um total de 24 imperadores - 14 da Dinastia Ming e 10 da Dinastia Qing -, com as suas cortes de eunucos, esposas e concubinas.” (in http://janelanaweb.com/viagens/pequim.html)
É tudo verdade. A única coisa que o esforçado autor desta descrição se esqueceu foi de mencionar o retrato tremendo de Mao Tse-Tung que pontifica por cima da porta principal do complexo, acolhendo no terno regaço do seu olhar paternal todos aqueles que pisam Tiananmen. E reparei que ele também olhou para mim. Procurando ser gentil, esforcei-me por me sentir mimado e protegido. Porém não. Sempre tive issues com as figuras paternais que foram surgindo na minha vida. Mao, querido, tentou, mas também falhou. Procurei fintá-lo, movendo rapidamente a cabeça para um lado e para o outro, para ver da sua rapidez. Mais uma vez. Mas esta Mona Lisa é tão boa como a de Avintes e nada houve a fazer.
Satisfeito por ter juntado mais um cromo à minha colecção de pessoas importantes já vistas, segui caminho para o dito CCPIT.
Quando entrei na ampla sala de congressos, a confusão era muita. Toda a gente de pé, conversando aos pares e aos trios, excepto alguns chineses que, por sono ou falta de companhia, já se tinham sentado, apoiando os cotovelos nas longas mesas dispostas em filas horizontais, frente ao palco onde já dominava pronta a mesa dos outros importantes.
Olhei melhor e comecei a conhecer caras e a surpreender-me com quase todas. Pois uma coisa é ver na televisão ou em fotos de jornal; outra é ao vivo. António Mota da Mota-Engil, Henrique Granadeiro da PT, Melo Ribeiro da Siemens, Mira Amaral do BPI, António Amorim da Corticeira, enfim. Senti-me bem. E sentei-me melhor, pois não tinha companhia. Ladeado por um chinês e por uma chinesa, uma vez que estava ali a representar uma firma chinesa. O acontecimento de terem um ocidental sentado ali perturbou muito os meus companheiros de circunstância. Começaram cada um a cochichar com os que estavam a seu lado, até que o chinês ganhou coragem e, solene, enfiou-me um cartão de visita debaixo dos olhos. Agradeci e como na altura ainda não tinha cartões, só me restou oferecer-lhe uma brochura da empresa, em cujo verso havia diligentemente escrito à mão o meu próprio nome e o meu contacto. Sempre entregando e recebendo com as duas mãos. E sempre colocando os cartões recebidos em cima da mesa, bem à vista, não no bolso.
O pobre homem, talvez nos seus quarenta anos, apresentou-se e desatou a falar da função que desempenhava. Ora, o inglês aqui não é inglês. Certamente deve ser alguma coisa, mas inglês não é. Li o cartão e percebi que era o director de uma agência estatal para a promoção económica de uma província no sul da China. O esboço de conversa prosseguiu, até que começou o espectáculo.
Tal como no circo, também havia um anunciante. E então lá chegaram. Os palhaços, as focas, os trapezistas e os malabaristas.
O melhor de tudo foi sem dúvida a fantástica prestação da tradutora portuguesa, uma professora auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, especialista em cultura chinesa. Sim, foi formidável. Porque o resto, desde o inimputável ministro da Economia a dizer que Portugal é bom para investir porque os salários que se pagam lá são baixos, até ao chefe da banda a demorar talvez vinte segundos para fazer uma linha recta de cinco metros, desde a cadeira até ao palanque, sempre com aquele insuportável ar afectado de clister perpétuo, foi uma cena de bradar aos céus e de invocar D. Afonso Henriques.
Depois da intervenção do vosso Primeiro-Ministro, seguiu-se um momento de assinatura de protocolos entre empresas. Não era ainda altura para sair da mesa, mas há ocasiões em que um homem ou é um homem ou é um rato. E continuar sentado depois do chinês me dizer, bem claro e caído do céu, you are very handsome, meus amigos, um homem é um homem. Julguei ouvir mal, julguei que era da figadeira que me tinha dado depois de ver e ouvir o do elevador. Perguntei, ora diz lá outra vez? You are very handsome! A minha expressão deve ter sido tão simpática que o desafortunado cavalheiro ainda confirmou a frase com o outro que o tinha acompanhado e que, reparava agora eu, não devia ter mais que quinze anos. Tudo aquilo começou a parecer-me estranho demais e, antes que fosse tarde, levantei-me e escapei.
Soube mais tarde que a expressão é comum e constitui apenas uma mera cortesia, desprovida de qualquer conotação dissimulada. Devia ter adivinhado. Aqui, para dizer “então, tudo bem?” diz-se “então, trouxeste comida?”. E depois riem-se. Tal e qual.
2 comentários:
Quem é o José Sócrates?
Mao Maria, é o que conheço, Sócrates o grande pensador Grego (esse que viste deve pensar com o Umbigo ou com o berlight), Tu conheço e bem (Grande Irmão).
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