Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Mesmo em Frente.


Enquanto lá fora a temperatura continua alta, acompanhada da chuva que finalmente cai forte, aguardo a hora do jantar (a chuva cai forte, mas também é quente). Aguardo a hora de jantar porque pela segunda vez em sete dias vou ao Holiday Inn, onde decorre desde há duas semanas uma feira de gastronomia portuguesa (por vezes penso se os chineses terão ideia de que o que é normal é que com sol não chova e que com frio ela caia a potes, mas desconfio que eles acham perfeitamente normal ficarem encharcados ao ponto de não saberem se estão molhados da chuva ou da transpiração). Quando lá fomos no sábado, comemos que nos fartámos, ainda por cima os vinhos – portugueses, Bacalhôa e Moscatel – foram de graça, porque como vieram directos de Portugal, não levaram rótulo em chino, o que impede a sua comercialização (sempre que chove, apanhar um táxi torna-se uma aventura, porque de súbito, as notas aparecem nos bolsos dos chineses – sovinas por defeito genético - e todos já podem andar de táxi, o que só se traduz em molha reforçada e corridas com empurrões para ver quem chega primeiro ao táxi livre que parou ali adiante, porque aqui não há filas nem respeito pelo próximo). O que deu direito a uma digníssima nacional bebedeira, daquelas que valem a pena porque sabem a verde e vermelho, apesar dos vinhos terem sido todos maduros – e talvez sobretudo porque acomodada num bacalhau com natas, num arroz de polvo, numa carne de porco à alentejana, nuns chocos à algarvia, num lombo de porco assado e noutras coisas esquecidas da boca e do gosto que o meu estômago complacente alojou nessa benfazeja noite de consoada antecipada.
Curioso, ainda hoje contei esta história: quando era muito novo, gostava de me debruçar na varanda pequena da sala. A varanda é virada a Leste e na altura, como Gaia ainda era apenas o outro lado da Ponte D. Luís, havia poucos prédios. Via-se Gondomar. Na frente da casa virada a Norte, até as chaminés da Petrogal de Leça se viam. Então, eu debruçava-me. E ficava a pensar: “para lá daqueles montes, fica a Espanha, a Itália e muitos outros países distantes. Ficam aqui mesmo em frente, só tem é de se andar muito”. Hoje, estou do lado de lá dos montes e debruço-me para o lado oposto, na janela do meu quarto, ironicamente virada a Oeste. E ainda é mais curioso constatar que o paralelo que cruza o Porto é praticamente o mesmo que cruza Pequim, com uma distância de quarenta quilómetros a Norte. Estou aqui mesmo em frente, só um pouco antes de Aveiro. Só tenho é de andar muito.

Sim, hoje vou jantar Portugal novamente. Sentado à mesa com os meus companheiros de epopeia, que choram e perscrutam o horizonte do sol-posto em silêncio e em segredo como eu por tornarem a ver aquilo que nos fez. Hoje vou entrever esse sol-posto, entre uma garfada e outro gole, numa gargalhada ébria de querer esquecer a varanda da casa da minha Mãe.

2 comentários:

McCap disse...

Cabe-te agora fazer os cálculos de que tamanho (andares ou metros) teria de ter o teu prédio de forma a anular a curvatura da terra e veres o teu prédio de infância em gaia (que o teu novo apartamento seria mais difícil).

Isabel disse...

Se fechares os olhos vês melhor... Eu vejo-te muitas vezes :)