Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Gravidade Zero


Existe um método de treino para permitir aos astronautas terem contacto com a sensação de ausência de gravidade bastante curioso. Na Rússia, já é utilizado até como atracção turística. O esquema é muito simples. As pessoas metem-se num avião de carga, o avião ascende a grande velocidade num ângulo de quarenta e cinco graus e subitamente estabiliza, voando na horizontal. A conjugação da velocidade com o ângulo dá o extraordinário resultado de se obter um estado de gravidade zero durante vários segundos. Depois, de repente, os passageiros, que estavam inebriados de adrenalina, caem desamparados no chão, iniciando uma descida também de quarenta e cinco graus. O processo repete-se algumas vezes. Mas a última sensação é sempre a da descida.


Acabei por não ir à Mongólia. Perdi o comboio. Por cinco minutos, mas perdi. O que pode não ter sido mau de todo, pois voltarei a tentar a dita incursão em Julho, altura em que, pelos vistos, a paisagem é mais bonita. Dizem que até há um festival. Talvez mais um embuste à chinês.


Faz muito calor por aqui. A maior parte do dia estão mais de trinta graus. Não se vê o sol, por vezes mal o prédio do outro lado da avenida. A sensação de estufa é sufocante.


As minhas aulas de mandarim vão andando em bom ritmo. A escola é engraçada, a professora também. Às vezes irrito-me com ela, na minha mais pura tradição de mata-profs. Vamos quase todos os banpo, aulas às segundas e às quartas, duas horas. Não posso dizer que falo chinês. Mas safo-me no que é mais básico, o que por si só já é um feito. Sempre em frente, vira à esquerda, vira à direita, pára aqui, inverte a marcha, mais depressa, mais devagar, quanto é, qualquer número até cem, arroz branco, arroz frito, (quero por favor) uma garrafa de cerveja fresca, água, chá, chá verde, um copo, como te chamas?, eu chamo-me, eu sou advogado, eu sou português, pegado a Espanha, Figo, Cristiano Ronaldo, eu sei, eu não sei, não te entendo, estás bem?, hoje é segunda, terça, quarta, quinta... feira, hoje são dezoito de junho de dois mil e sete, são x horas, (não) estou cansado, (não) estou ocupado, tenho x anos de idade e a minha mãe y. Enfim, estas e algumas outras trivialidades que não servem para mais nada senão confortar-nos um pouco do ponto de vista intelectual. E também para por vezes falarmos realmente chinês com chineses, o que em si mesmo é um espectáculo do mais improvável que há.


Comprei umas sandálias Tommy Hilfiger num dos mercados de falsificações. Oito euros. Bonitas. Duraram três semanas. Levei-as ao sapateiro. Renasceram. Por mais uma semana. Como o conserto custa cinquenta cêntimos, fiz contas e decidi ir ao sapateiro mais umas catorze vezes. Quando chegar aos oito euros, deito estas fora e compro umas novas. Ou não, porque daqui a três meses e meio é Outubro e já estamos perto dos zero graus.


Um dos banpos fez anos na sexta-feira. Festa no Doze. Registada. Na máquina e nas memórias.


Descobrimos que esta cidade tem piscina. Fomos averiguar. No meio de Pequim, dentro de um parque. Grande, redonda, com ondas e escorregas, com uma tira de areia a fazer lembrar o Areínho de Avintes em tempo de cheias. As senhoras com biquinis vastos. Gelados e salsichas chinesas. Crianças a chorar e jovens adolescentes exibindo o peito num entediante jogo de vólei de praia. Tão suja ou limpa como uma piscina pública portuguesa. O que não é grande prenúncio. Mas terei de lá ir. Para fechar os olhos e imaginar que estou em casa. Na casa daí.


Faço cinco meses de China daqui a cinco dias. Ou seja, já passou metade. E assim não parece, apesar de ao mesmo tempo ter a clara sensação de estar aqui há anos. Tenho essa sensação e sinto-a perfeitamente integrada no meu subconsciente. Já sei de antemão que vou estranhar imenso o regresso a Portugal, tenho a absoluta certeza disso, mesmo que venha a ser um regresso transitório. E não por saber que por lá tudo continua na mesma modorra lamacenta do costume. Receio ficar na penumbra, entre dois mundos tão diferentes, com um pé aqui e um aí, com a porta entreaberta, mas fazendo pressão para se fechar, para um lado qualquer. Os Mundos e a Porta. Como é que eu havia de me ter lembrado de uma metáfora tão ajustada, ainda não tinha aqui chegado? Tudo demasiado previsível, talvez. A partir daqui, é sempre a descer.


1 comentário:

catiazzz disse...

chamam-se voos parabólicos
e é verdade que a vida tem as suas parábolas
:)

meu querido, tu acabaste de trilhar um caminho entre dois mundos, agora as portas estão mais abertas do que antes

sei que o futuro poderá ter muitos sentidos, mas garantidamente não será sempre a descer

estás é a precisar de um abraço, anda cáááá´!!!
:)

por aí não encontras umas sardinhas para festejar o S. João??
aqui em Madrid, no ano passado, chamaram a polícia porque estranharam o cheiro que resultou da patuscada... estes gajos não sabem festejar o S. João. ainda não tenho planos para este ano...

besoooos