Os Mundos e a Porta

Os Mundos e a Porta

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Seis.


Não sei se por obrigação ou por que sim, acho que não fica mal lembrar que hoje se completam seis meses de vida em Pequim. A outra cidade, que também começa por P e fica quase quase na mesma linha horizontal. A que eu imaginava da varanda da casa de minha Mãe, sem saber que era ela que eu ia conhecer, imposta pela vontade alheia e aceite pela inevitabilidade de combater.


Seis meses de sono e de sonho, de saudade e de surpresa, de descobertas e de inquietações. Às vezes penso como é ridículo fazer planos de vida, eu, que há apenas um ano não tinha quaisquer perspectivas de melhorar a minha vida e de dar cumprimento àquilo que achava (in)conscientemente ser um direito adiado. Num minuto atendo um telefone pela milésima vez, no outro vôo para a segunda parte.


Que ninguém pense que tomei a decisão de vir porque tenho espírito aventureiro; porque tenho sede de conhecer culturas diferentes; porque quero ter histórias fantásticas para contar a filhos orgulhosos e a netos boquiabertos; porque quero que em Portugal me olhem com um misto de admiração e inveja, porque vivi e sobrevivi no estrangeiro e ainda por cima, num estrangeiro tão estrangeiro como este. Para mim, esta é uma aventura vivida fora desse tempo, tarde demais para tal. Esses são argumentos e razões de quem é mais jovem, de quem ainda tem mais interrogações que respostas. Dos que ainda talvez vivam o que eu já vivi.


Eu vim porque finalmente tive uma hipótese concreta de combate. O combate que procurava há tanto tempo, com o mundo e comigo mesmo, de conseguir, de conquistar, de rasgar obstáculos, de dar um murro na mesa, de escalar uma montanha à minha medida. Vim para acertar contas, para pôr pontos nos ii, para fazer o tempo voltar atrás e repôr a minha própria justiça histórica que imodestamente julgo ter direito de determinar.


Nunca soube viver sem combater. Na vida pessoal, na vida estudantil, no trabalho. Por condições melhores para mim e para os meus, pelos direitos de indivíduos e de grupos, pela equidade das coisas, por ideais. Para mim, a vida em si mesma traduz combate. E que bela é essa palavra dita de forma limpa e digna.


Seis meses de distância, de combate permanente, que diluem as paragens passadas e formam a necessidade de respirar sempre, de não parar de caminhar, de habituar os olhos a quererem o que está para lá da montanha. Mal acredito, mas fui mesmo eu que cheguei aqui há seis tão longos meses que se multiplicam por doze, com um frio que ainda hoje não consigo descrever, longe de tudo o que conhecia, de tudo o que gostava, e bem no meio de tudo o que desconhecia e que não parecia poder vir a algum dia gostar. Mas não parei de respirar, apesar de me faltar o ar; não parei de caminhar, apesar de me faltarem as pernas; não baixei os olhos, apesar de não os querer abrir. Resolvi combater e com o apoio quotidiano e o incitamento genuíno de alguns outros combatentes, de lá e de cá, esse primeiro assalto venci. Faltam todos os outros do resto da minha vida. Sinto-me muito satisfeito por essa vitória.


Por outro lado, o regresso está cada vez mais próximo e também me sinto feliz por isso. Por tudo aquilo que já disse sobre este país e sobre as saudades que sinto da minha terra.


Apesar de, na verdade, cada vez saber menos quem é que vai regressar a quê.


1 comentário:

El_Chino disse...

Amigo Nuno, já estamos em Idanha!
Uma viagem longa, lenta, mas chegámos a bom porto.
O calor já aperta e ainda há muito trabalho pela frente. Mas energia certamente não irá faltar.
Um abração.
João (china)